Pratos da diversidade

Um museu de gastronomia em São Paulo fará jus à fama da cidade. Leia minha última coluna publicada na revista Veja.

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Se a avenida Paulista falasse, o que pediria de aniversário de 130 anos, nesta semana?

Talvez um museu dedicado à Diversidade Sexual, palco que é da maior parada LGBTQi + do mundo.

Talvez também um museu dedicado à gastronomia.

Como se trata de arte, merece tal tratamento.

Foi com alta expectativa, portanto, que tomei conhecimento de uma chamada pública, realizada meses atrás, para transformar um dos últimos casarões dos barões do café em um ambiente que valorizaria um reconhecido diferencial de São Paulo.

Sem saber da polêmica que cercava o casarão Franco de Mello, destinado no governo passado a ser o Museu da Diversidade, imaginei que seria um belo presente à cidade.

​A avenida Paulista resulta de uma obviedade topológica.

Ponto mais alto da cidade, o espigão oferece vista desimpedida, o que, somada à infraestrutura, atraiu os donos do café e, mais tarde, os capitães de indústria.

Naqueles primórdios da metrópole, se as mansões eram afrancesadas, os cardápios não acompanhavam a sofisticação importada de Paris e adjacências.

Até então, o que se comia eram pratos rústicos, à base das farinhas de milho e mandioca – os ingredientes indispensáveis da culinária mameluca.

Içás e tanajuras fritas – o feijão com arroz de nossos antepassados – estavam muito longe do glamour que essas formigas, elevadas à condição de iguarias exóticas, teriam mais adiante.

Foi só com a imigração – da Europa, do Oriente Médio e do Japão – que a gastronomia paulista se tornaria o que é hoje, uma referência da diversidade da culinária internacional, reflexo da composição étnica de seus habitantes.

A vinda de estrangeiros representou um ponto de inflexão, que transformou em gastronomia o que antes era um simples preparo da comida.

Nomear os melhores restaurantes seria tarefa inglória.

Se a lista fosse extensa, não caberia neste espaço; se fosse enxuta, resultaria em imperdoáveis injustiças.

Limito-me, portanto, a apenas dois exemplos.

Em primeiro lugar, não há como não citar o Fasano, tanto por sua indiscutível presença icônica, como pelo papel que desempenhou na consolidação da avenida Paulista e arredores como polo gastronômico.

A família descendente de milaneses que dá nome à casa está no ramo desde o início do século passado, quando fundou seu primeiro estabelecimento – a Brasserie Paulista.

Mas o Fasano só faria história a partir dos anos 50, quando se mudou para um Conjunto Nacional ainda não totalmente inaugurado, emprestando sofisticação ao empreendimento imobiliário.

Nos anos 90, o Fasano deixou o endereço, mas não a região.

Numa nota mais afetiva, permito-me compartilhar a lembrança da Doceira Pão de Açúcar, inaugurada não longe dali, na avenida Brigadeiro Luís Antônio, por meu pai, Valentim dos Santos Diniz, em 7 de setembro de 1948.

O nome e a data não são obra do acaso.

Ao batizar a casa no dia da Independência com nome do mais conhecido cartão-postal do país, o português mais brasileiro que eu conheci prestava justa homenagem à terra que tão bem o acolhera.

Seu Santos, como o chamavam, botava a mão na massa.

A doceira marcou território na época pela qualidade da confeitaria.

Eu ainda me recordo com água na boca dos bolos e doces para festas que ele organizava.

De lá saía o melhor quindim da cidade, e a gelatina de mocotó em copinhos de papel era inigualável.

E havia ainda os deliciosos salgadinhos espetados no palito e a fina pâtisserie.

Um museu da gastronomia, seja em qual ponto fosse construído na região, certamente teria essas e muito mais histórias para contar.

Publicado originalmente em Veja.

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