A oportunidade do juro baixo

Temos agora o dever de deixar as distorções na economia no passado. Leia a coluna de Luiz Carlos Trabuco Cappi publicada no Estadão.

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Um dos fatores da economia brasileira a que se deve prestar atenção é o da taxa básica de juros, a Selic, fixada pelo Banco Central.

A taxa atual, de 2% ao ano, é a mais baixa já registrada em nossa história e, embora desejemos que ela permaneça nesse patamar, há indicações de que este ainda não é um ponto de chegada.

Os dados da pesquisa Focus do Banco Central e da curva futura de juros do mercado, por exemplo, mostram outra tendência.

Os motivos para essa expectativa do mercado são a complexa conjuntura externa e as incertezas em relação aos rumos das contas públicas do País.

A política monetária se orienta pelo controle da inflação, é o mandato pelo qual se guia o Banco Central.

A inflação no Brasil nos últimos 12 meses é de 2,44% e é considerada baixa.

O problema é que o mercado costuma olhar para os riscos à frente quando toma suas decisões de investimento – e nos últimos meses de pandemia, com o crescimento do déficit fiscal e da dívida pública, começou a pedir mais prêmio para comprar papéis do governo.

Esse tipo de demanda termina por gerar nervosismo no mercado, o que impacta a estrutura de juros de longo prazo.

A redução dos juros foi trabalho do Banco Central, que soube avaliar com precisão as necessidades de uma economia que enfrentou períodos recessivos em sequência, desta vez causado pela pandemia.

Apesar de este ser um momento atípico, marcado por medo, sofrimento e desarranjo econômico, podemos observar os efeitos positivos que juros baixos podem gerar na economia, ainda que parcialmente.

Milhões de empreendedores precisaram de crédito para manter seu negócio e se beneficiaram dele.

O mercado de capitais, o crédito imobiliário e a construção civil são exemplos do impacto positivo na geração de investimentos e empregos.

Este período de juros básicos de 2% ao ano cria na sociedade brasileira uma sensação de que temos oportunidade e desafio históricos, que se combinam.

A oportunidade é conseguir uma situação de confiança de que a Selic poderá se manter assim como está por longo período, dando a previsibilidade tão necessária para que os agentes econômicos levem adiante seus projetos de investimento.

É fundamental manter a inflação dentro da meta.

Há pressões pontuais dos alimentos, mas o mais importante será quando ultrapassarmos a recessão provocada pela covid-19.

Seria recomendável reiterar as discussões sobre os caminhos para aumentar a produtividade da economia e acelerar as reformas estruturais.

Isso requer uma agenda bastante ampla, de negociação política sofisticada, mas que vale o esforço por ser absolutamente necessária: só com novos fundamentos que mirem a eficiência da máquina pública e a estrutura tributária do País será possível voltar a crescer sem pressão inflacionária.

O desafio é a gestão fiscal austera, tão importante quanto o controle da inflação.

Três dispositivos legais formam a âncora fiscal do País: a regra de ouro, o teto de gastos e a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Em razão dos gastos com o auxílio emergencial, plenamente justificados, surgiram dúvidas sobre o prosseguimento da disciplina fiscal.

Será preciso resgatar essa percepção de compromisso.

O tempo é curto, mas é importante sinalizar que continuamos no caminho nessa agenda de reformas.

O Brasil tem um longo histórico de inflação alta, juros altos, descontrole orçamentário e irresponsabilidade na administração dos gastos, que já cobrou um preço elevado da sociedade na forma de baixo crescimento econômico, desemprego, serviços públicos ruins e desigualdade social.

Temos agora o dever de deixar essas distorções no passado.

Todos sabemos como será árduo o caminho que temos pela frente para manter o juro baixo.

Nessa jornada, nada pode substituir a aprovação das reformas.

Afinal, como disse o filósofo, há três coisas na vida que nunca voltam atrás: a palavra proferida, a flecha desferida e a oportunidade perdida.

Texto publicado originalmente em O Estado de S. Paulo (28/09/2020).

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