Comida do bem

Aprendemos a cozinhar na marra, mas é hora de ser gentil no preparo de receitas. Leia meu artigo publicado na revista Veja.

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Alguém que começou a pandemia sabendo apenas fazer ovo frito já deve, a esta altura, estar usando o ingrediente para algo mais elaborado. Esperar ovos beneditinos seria demais?

Pela explosão de hashtags como #cozinhaterapia nas redes sociais, nem me surpreenderia.

Como o confinamento forçado nos obrigou a ficar dentro de casa, em muitos casos sem ajuda para as tarefas domésticas, despertou-se um chef adormecido em cada um de nós.

No princípio, foi uma festa.

Muitos correram a buscar as receitas favoritas, receitas provadas em viagens.

O perigo é que, em casos de paladar afetivo, nossas lembranças são sempre mais doces que a realidade vivida.

Não é por acaso que nos referimos à nostalgia como “edulcorada”. E tome açúcar, gordura, farinha!

Lá no início, a “pãodemia” levou o consumo de itens como leite condensado para as alturas.

E nas alturas ele permanece.

Entretanto, ninguém consegue viver de pudim, espaguete à carbonara ou lasanha aos quatro queijos a vida toda.

É quando um sonho recorrente vira pesadelo, e chega o momento de despertar.

À medida em que compreendemos que o tempo dos abraços espontâneos e beijos sem máscara ficou para trás, aprendemos.

Por isso, já não satisfaz aplacar apenas a fome dos olhos, também muito exacerbada pela internet.

A comida que brilha, pinga, escorre e faz lamber os dedos, consumida sempre entre risos e flashes, é vazia como suas calorias.

Como nutrir o organismo de modo saudável tornou-se essencial, o prazer da gastronomia está se deslocando.

Agora, o preparo do prato faz parte da experiência alimentar.

Basta ver a questão de modo mais amplo.

Como aprendi percorrendo o caminho de Santiago, é a jornada que encanta, e nem tanto a chegada.

Ao apurar a sensibilidade, vamos além do fim em si mesmo.

Neste sentido, há quem valorize mais as preliminares, a partir do cultivo dos ingredientes e temperos em pequenas hortas domésticas.

Cursando aulas de cerâmica, uma amiga está levando à mesa até a própria louça!

Fazer a comida, da refoga do alho e cebola aos elogios, é um ritual que supera o mecânico mastigar porque nos aproxima.

Estabelecer esta simplicidade nos relacionamentos com as coisas, a partir dos ingredientes mais básicos de uma receita, nos torna cada vez mais aptos a lidar com as frustrações, e até com as pessoas.

Quem nunca queimou um arroz, ou tomou um susto vendo a frigideira pegar fogo ao colocar um inofensivo tomate para refogar?

Jogar água para apagar só piora, já que ela evapora rapidamente em contato com o óleo quente, levantando bolhas incandescentes por toda parte!

O truque (que nossas mães nunca contaram) é abafar a frigideira com um pano úmido, o que tira o oxigênio da combustão. Experiência que vem com o tempo.

E para quem aprende com ele.

Mais um motivo para tentar de novo, aprender novos preparos.

Agora, é preciso mudar o foco e entender que o fim não é objetivo: o processo é que deve nos satisfazer.

Publicado originalmente na revista Veja.

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